O caso recente da Miss Acre Carla Cristina, que perdeu seu título e foi desclassificada do Miss Brasil Mundo por ter uma filha, revisitou questões profundas sobre maternidade e o mercado de trabalho. Infelizmente, situações como essa ainda são comuns em diversos âmbitos da sociedade, evidenciando os desafios enfrentados por mulheres que são mães e desejam conciliar isso com suas carreiras profissionais.
Demissão após licença-maternidade
Segundo uma pesquisa conduzida pela Fundação Getúlio Vargas, quase metade das mulheres que usam a licença-maternidade se afasta do mercado de trabalho após 24 meses, uma tendência que se mantém até cerca de 47 meses depois.
O estudo revelou que, entre 247 mil mães analisadas, 50% enfrentaram demissão após aproximadamente dois anos de usufruto da licença. É relevante observar que, conforme a Lei 14.020, as mulheres têm direito à estabilidade no emprego desde a confirmação da gravidez até 5 meses após o parto.
Esses dados sublinham a disparidade existente no mercado de trabalho quanto ao tratamento dado às mulheres que se tornam mães em comparação aos homens que se tornam pais. É imprescindível ressaltar que, apesar do cenário observado na prática, as responsabilidades parentais devem ser compartilhadas de forma equitativa e respeitadas pelas organizações.
Ademais, há variações significativas ao considerar o nível de escolaridade, evidenciando outro problema: a desigualdade social. Mulheres com ensino superior apresentam uma redução de emprego de 35% após 12 meses da licença, enquanto aquelas com menor nível de escolaridade enfrentam uma queda de 51%.
Preconceitos além da maternidade
Há outros preconceitos perceptíveis no mercado de trabalho, como aponta o estudo conduzido pela Plure, HRtech de recursos humanos especialista em conectar empresas a mulheres. O levantamento revela como as mulheres LGBTQIAP+ enfrentam barreiras adicionais para ascender a cargos sêniores e de liderança, destacando a falta de inclusão nesses espaços.
Considerando uma abordagem interseccional para analisar a empregabilidade, o estudo aponta que 43,79% das mulheres LGBTQIAP+ estão desempregadas, um índice acima da média geral de 39,35%. Além disso, 7,69% das mulheres LGBTQIAP+ na pesquisa são mães.
“É um equívoco pensar que ser mãe diminui a capacidade profissional de uma mulher. Pelo contrário, a maternidade traz consigo uma série de habilidades valiosas, como organização, resiliência e capacidade de multitarefa, sendo extremamente relevantes no ambiente corporativo”, ressalta a CEO da Plure, Jhenyffer Coutinho.
Diversidade ainda precisa ser mais incentivada
Apesar de se falar sobre a importância da diversidade, inúmeras organizações ainda enfrentam obstáculos na implementação efetiva de políticas inclusivas. A diversidade é vista como impulsionadora da inovação e resolução de problemas, mas diversas empresas precisam ajustar suas práticas de recrutamento e superar desafios como viés inconsciente e resistência à mudança.
“A adaptação efetiva a essa tendência não é apenas uma questão de conformidade, mas uma estratégia essencial para garantir a competitividade e o sucesso a longo prazo no mundo empresarial diversificado e globalizado de hoje”, pontua a CEO da Plure.
Dificuldades de mães cuidadoras
Outra pesquisa que chama atenção é o estudo ‘Cuidando de quem cuida’ produzido pela Genial Care, em que consta que 86% dos cuidadores de crianças com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) são mães, destacando-as como principais responsáveis pelo entendimento e cuidado das crianças autistas.
Muitas delas acabam abandonando seus planos pessoais e profissionais para se dedicarem integralmente aos filhos com TEA. Em outros casos, enfrentam uma dupla jornada, conciliando trabalho e cuidados com os filhos.
“Cuidar de uma criança com deficiência é uma tarefa difícil, principalmente por causa da desinformação da sociedade. Além disso, muitas mulheres cuidam dos filhos sozinhas ou com pouco apoio, o que pode levar ao burnout materno e à depressão. Por isso, é preciso reforçar a importância de a pessoa cuidadora ter uma rede de apoio”, alerta a Líder Clínica da Genial Care Academy, modelo próprio de capacitação do time terapêutico da Genial Care, Mariana Tonetto.
Políticas inclusivas para melhores oportunidades
É importante reconhecer o impacto mental e emocional que as mães passam ao enfrentar barreiras para conciliar suas responsabilidades familiares e profissionais. “A pressão para se adequar a padrões inatingíveis de produtividade e disponibilidade muitas vezes resulta em estresse, ansiedade e sentimentos de inadequação”, comenta a psicanalista e Presidente do Ipefem (Instituto de Pesquisa de Estudos do Feminino e das Existências Múltiplas), Ana Tomazelli.
Segundo ela, as mães que desejam trabalhar e contribuir para o sustento da família não deveriam enfrentar penalidades ou restrições devido à sua condição parental. “É fundamental que as empresas e instituições adotem políticas inclusivas que reconheçam e valorizem a maternidade, garantindo igualdade de oportunidades e tratamento justo para todas as mulheres, independentemente do estado civil ou da parentalidade”, ressalta.
Desafios enfrentados pelas mães
A seguir, confira outros 10 desafios enfrentados pelas mães no mercado de trabalho e em ambientes sociais:
1. Discriminação no local de trabalho
Mães enfrentam discriminação no local de trabalho em função dos estereótipos de gênero e das preocupações sobre compromissos familiares.
2. Desigualdade salarial
As mulheres, especialmente as mães, diversas vezes recebem salários mais baixos do que os homens pela mesma função, o que pode ser agravado após a maternidade.
3. Falta de licença-maternidade adequada
Em muitos países, a licença-maternidade é inadequada em termos de duração e benefícios, o que pode colocar pressão adicional sobre as mães para voltarem ao trabalho mais cedo do que desejariam.
4. Falta de flexibilidade no trabalho
Mães enfrentam dificuldades para conciliar as demandas do trabalho com as responsabilidades familiares devido à falta de opções flexíveis de trabalho, como horários flexíveis ou trabalho remoto.
5. Estresse e culpa
Em alguns casos, as mulheres enfrentam estresse emocional e sentem culpa por não conseguirem equilibrar adequadamente o trabalho e a vida familiar.
6. Falta de apoio social
A falta de apoio da família, amigos e comunidade é capaz de tornar ainda mais desafiadora a jornada de conciliar maternidade e trabalho.
7. Estigma da carreira interrompida
As mulheres que optam por pausar ou reduzir suas carreiras para cuidar dos filhos muitas vezes enfrentam o estigma de uma lacuna no currículo. Além disso, elas têm dificuldades para avançar em suas carreiras quando decidem retornar ao mercado de trabalho.
8. Acesso limitado a oportunidades de desenvolvimento profissional
Devido a restrições de tempo e recursos, as mães se deparam com acesso limitado a oportunidades de treinamento e desenvolvimento profissional, afetando sua progressão na carreira.
9. Dupla jornada
Muitas mães enfrentam o desafio de equilibrar as responsabilidades do trabalho remunerado com as tarefas domésticas e o cuidado dos filhos, enfrentando assim uma “dupla jornada”.
10. Julgamento e pressão social
As mães, inúmeras vezes, enfrentam julgamento e pressão social sobre suas escolhas de maternidade e carreira, seja por optarem por trabalhar em tempo integral, em tempo parcial ou ficarem em casa com os filhos.
É fundamental fomentar uma discussão franca e positiva sobre os desafios enfrentados pelas mães no âmbito do trabalho, visando estabelecer ambientes mais acolhedores e justos para todas as mulheres. Somente assim poderemos progredir em direção a uma sociedade genuinamente inclusiva e igualitária, na qual a maternidade não seja uma barreira para o desenvolvimento profissional e pessoal.
Por Letícia Carvalho
Fonte: Jovem Pan Read More