Seriam necessários mais de 2 trilhões de páginas A4 para imprimir os 2,2 milhões de terabytes de novas informações que surgem todos os dias na internet, segundo o Instituto Gartner. Esses números dão a dimensão do quão humanamente impossível é absorver todo esse volume. Ainda assim, parecemos bastante empenhados nisso: os brasileiros passam mais da metade de suas vidas na internet, de acordo com estudo da NordVPN.
As redes sociais têm a capacidade de capturar nossa atenção e emoções com base no prazer imediato. Por isso, passamos tanto tempo conectados, diz a psiquiatra Renata Guerra, coordenadora do Programa Ambulatorial de Mudança de Hábito e Estilo de Vida da Universidade de São Paulo (USP).
Receber curtidas, comentários e ver posts interessantes libera em nosso cérebro dopamina, o hormônio do prazer e ligado a vícios. “Isso dificulta nosso crivo. Quem nunca se deu conta de que ficou muito mais tempo do que deveria ‘plugado’ numa rede social?”, ela pontua.
Excesso de informação não é absorvido
Mas é uma ilusão achar que somos capazes de transformar todos os dados em conhecimento. Isso porque o excesso de informação não é absorvido, garante a especialista. “Em condições normais, o cérebro está, momento a momento, selecionando informações relevantes para nós, e descartando as consideradas menos importantes. Esse processo fica comprometido pela enxurrada de informações”, explica Renata.
O psicólogo Leandro Eustáquio Elias, coordenador da Articulação Nacional de Psicólogas Negras e Pesquisadoras (ANPSINEP), define isso como “uma espécie de anestesia neuronal”. “Nós é que somos consumidos pelas redes sociais. Elas buscam por meio dos algoritmos nos prender nas telas e não necessariamente nos informar”, analisa. “Acabamos não conseguindo dar conta de quase nada que se passa pelos nossos olhos.”
Sobrecarga danosa
O uso exagerado das redes e suas infinitas informações têm afetado a nossa mente. Ao alterar a capacidade cerebral de armazenar e recuperar dados, essa sobrecarga pode resultar em lapsos de memória e dificuldade de concentração, de acordo com a neuropsicóloga Paula Gerlach. Além disso, o estresse crônico associado a esses excessos pode aumentar o risco de desenvolver transtornos mentais, como ansiedade e depressão.
Nos comparar com os padrões inatingíveis de sucesso e beleza expostos nas redes tem nos adoecido como sociedade. Segundo levantamento do Datafolha, o fato de a maioria das pessoas parecer bem e feliz em seus perfis contribui para que 65% se sintam insatisfeitos com as próprias vidas.
Dos entrevistados, 79% concordam que as redes podem contribuir para aumentar problemas mentais, 38% revelaram sentir medo de serem julgados por seus posts e 26% confessaram se sentir cobrados a estar constantemente conectados.
As notícias ruins são particularmente capazes de nos deixar em constante estado de alerta, provocando maior liberação de cortisol, o hormônio do estresse, explica o neurocirurgião do Hospital Sírio-Libanês Júlio Pereira.
Se nossos antepassados se viam nessa situação em eventos pontuais, durante uma caçada ou um combate, o atual acúmulo de dados desencadeia esse mesmo processo inúmeras vezes ao dia. “O uso exagerado de rede social e o excesso de informação são problemas reais com consequências psíquicas, neurológicas e hormonais”, resume. Não por acaso, tanta gente sofre com a insônia.
Por dentro e por fora
Algumas pessoas estão migrando do FOMO (Fear of Missing Out) sigla em inglês para medo de ficar de fora, para o JOMO (Joy of Missing Out), a alegria de estar por fora. Enquanto no FOMO tememos ser excluídos das experiências e oportunidades que outras pessoas estão vivendo, impulsionados pelo constante bombardeio de informações, o JOMO é uma resposta positiva a essa overdose, com a liberdade de escolher conscientemente desconectar-se, desacelerar e encontrar satisfação nisso.
“Essa mudança de mentalidade sugere que, como sociedade, estamos reconhecendo a importância de equilibrar nossa exposição ao excesso de informações e priorizar nosso bem-estar mental”, diz Paula. “No entanto, é importante ressaltar que é preciso estabelecer prioridades e não transformar o JOMO em positividade tóxica, se alienando.”
O cansaço e o esgotamento podem nos deixar apáticos em relação às injustiças, minando nosso poder de mobilização, concorda a jornalista Daniela Arrais, sócia da Contente, plataforma para uma vida digital mais consciente. “Às vezes, você vê tantas desgraças que para de sentir compaixão. Isso nos distancia da nossa humanidade e da necessidade de vínculo”, ela reflete.
Segundo a especialista, depois de aprender a lidar com a torrente de estímulos e admitir o desgaste que ela nos causa, devemos entender que não adianta ficarmos apenas centrados em nós mesmos e paralisados em nossa dor. É necessário se reconectar com a nossa humanidade e partir para ações coletivas. “O mundo precisa da nossa força de mobilização. Como é que a gente pode fazer isso juntos?”, instiga.
Caminhos de equilíbrio
A hiperconectividade é uma marca do nosso tempo. Para seguir as atualizações profissionais, tendências e debates sociais, muitas vezes, é necessário estar presente nas redes, que possuem um vasto e rico conteúdo. Mas, sem limites, colocamos em risco a nossa produtividade, podendo até adoecer.
Assim, o recomendável é alimentar hábitos mais saudáveis como contrapeso a esse apelo avassalador. “A capacidade das redes em capturar nossa atenção e emoções dificulta nosso crivo. Decidir diferente requer muita consciência e vontade”, admite a psiquiatra Renata Guerra.
O primeiro passo é ter uma vida offline tão interessante quanto a online. Relações sociais satisfatórias, atividades físicas e hobbies regulares, contato com a natureza, alimentação equilibrada, momentos de silêncio e descanso, noites revigorantes de sono, práticas espirituais e que ajudam a lidar com o estresse e a se conhecer, como meditação e psicoterapia, são caminhos de enriquecimento e independência das telas.
Autoconhecimento é essencial
A neuropsicóloga Paula cita estudos segundo os quais a qualidade da informação, sua relevância pessoal e a capacidade de processamento individual desses dados influenciam a forma como lidamos com um mundo desmedido. Por isso, o autoconhecimento é essencial. Só sabendo o que realmente importa para você, será mais fácil gerir seu tempo e direcionar a sua atenção.
“A presença nos permite escolher aquilo que precisamos ou desejamos, diferentemente do ‘piloto automático’ que nos deixa numa postura passiva de consumo sem consciência”, acrescenta Renata.
No livro A Dieta da Informação, o autor Clay Johnson defende uma escolha mais ativa sobre o que consumimos. Afinal, os conteúdos que optamos por colocar para dentro influenciam nossa visão de mundo e nossa saúde. “Temos de ser mais ativos nessa curadoria e pensar nisso como uma nutrição”, resume Daniela.
Para ela, é preciso olhar primeiro para dentro e entender com o que queremos nos conectar lá fora. “Não fomos substituídos pela Inteligência Artificial, então, vamos aproveitar a humanidade que nos resta e não deixar que os algoritmos das redes, que nos querem cada vez mais presos a elas, definam tudo isso por nós.”
O que fazer?
Também é essencial usar esse protagonismo para escolher bem as fontes de informações que você vai consumir, priorizando veículos confiáveis. Em vez de tentar se informar a todo momento, uma dica é buscar compilados de notícias, como newsletters e podcasts, que trazem uma curadoria dos fatos mais importantes.
Nos celulares, é recomendável programar limites de tempo de uso nas redes sociais e desativar notificações. Separe momentos específicos do dia para checar e-mail e aplicativos, e faça detox digital, ou seja, reserve períodos para ficar sem acessar a internet.
Para Renata, dois momentos do dia são especialmente importantes para estar desplugado: a hora em que acordamos e antes de dormir. “Trazer mais consciência para esses momentos gera mais equilíbrio e bem-estar”, pontua.
O que estava ao meu alcance
Ainda assim, a cobrança por desempenho pode gerar sua fatura costumeira. Tenha calma, pois a ditadura da quantidade está entranhada em nós. Para evitar se sentir culpado pelo que você não deu conta de absorver ou de fazer, uma sugestão é tomar alguns minutos do dia para apreciar o que esteve ao seu alcance, recomenda Daniela.
Você pode anotar o que aprendeu e o que viu e te alegrou. Valem coisas simples como um sorriso ou o pôr do sol. Apesar de o volume de informações impossível de assimilar ser um lembrete constante do copo meio vazio, que tal equilibrar a sua visão admirando também a porção que está cheia? “Sem isso, nunca vamos realmente sentir a completude”, diz a jornalista.
Acredite, o que ressoa em nosso eu profundo é mais do que suficiente para nos oferecer a experiência da inteireza.
Por Martina Medina – revista Vida Simples
Jornalista e adora um detox digital para descansar dos excessos.
Fonte: Jovem Pan Read More